terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

The Kinsei Chronicles: Sono Kakidashi

Começa assim...
"Em tempos antigos e perigosos, quando a sociedade era guiada pela lei da espada, os pergaminhos ancestrais falam de alguém. Uma figura de mistério e respeito. Um guerreiro que embora domina-se a lâmina tão bem como as suas próprias pernas, jamais teria derramado sangue algum, de homem ou animal. E apenas esse detalhe o impedia de se tornar algo mais do que um samurai das ruas. Todos o desprezavam, embora ninguém troça-se dele pois temiam-no e respeitavam-no, como se de um herói se trata-se.
Como já tinha referido antes, aqueles eram tempos cruéis, talvez piores do que os de hoje em dia, e desde pequeno ele perguntava-se a si próprio o porquê de tanto confronto e ódio. Foi então que desistiu, e uma noite abandonou a sua aldeia. Partiu para a floresta mais próxima, um local abundante em natureza por onde as enormes pézadas da civilização nunca tinham passado, isolando-se do resto do mundo. Depois disso começaram a ouvir-se rumores, as pessoas começaram a falar, a maior parte sem sequer saber do assunto. Dizem que sozinho na floresta ele aprendeu coisas. Artes que jamais algum homem vivo podia aprender, e que iam além dos instintos de alguns animais. Ele conseguia comunicar com a natureza. As árvores, as plantas, a água, o solo. Conseguia dizer-lhes coisas, e eles respondiam à sua maneira. À sua passagem a erva crescia, e as trepadeiras propagavam-se atrás de si. Os mestres das aldeias passaram a chamar-lhe Hayashi Shinzui, o Espírito da Floresta." Otsuro mantinha estas palavras, ditas pelo sábio, na sua cabeça. Sem se esquecer de uma única letra. O San Orientaru (sol do oriente) brilhava no cume do céu. "Uma chama duradoura no meio do oceano." pensou Otsuro. O vento soprava levemente no início daquela tarde, e as folhas nos ramos das árvores dançavam ao seu ritmo. "Está um dia óptimo para dormir uma sesta no meio da erva" ocorreu-lhe, arrependendo-se da maldita hora em que tinha decidido partir naquela manhã.
A dada altura, quando o caminho batido criado por décadas de pessoas a percorre-lo e por carroças de cavalos e bois a passar deixou de se notar, Otsuro parou para descansar. Encostou-se a uma cerejeira, e tirou as sandálias. Como estava mais ou menos a meio do dia, a árvore não criava qualquer tipo de sombra. Mas ele gostava de apanhar Sol na cabeça, sentia-se confortável e despreocupado com o resto do mundo. Otsuro olhou para a cerejeira. "Pode haver paisagem mais bela nesta época do ano?" Os ramos cobriam-se de pequenas flores rosa, mais uns meses e dariam frutos. Quando esse tempo chega-se, os agricultores viriam para os colher, e os passáros para os picar. A árvore ficaria então despida de qualquer beleza até ao ano seguinte, quando o ciclo se volta-se a repetir. Otsuro deixou-se ficar perdido nestes pensamentos, até que um grunhido interrompeu a sua meditação. Há horas que não trincava nada de jeito, e um guerreiro deveria apresentar-se sempre minimamente alimentado para quando as suas energias fossem necessárias. Então sentou-se na erva e começou a petiscar dos seus mantimentos. Não era muita a comida, apenas o suficiente para uma longa caminhada e para não provocar demasiado peso. Enquanto mastigava, as palavras do sábio começaram a ecoar-lhe na mente, invadindo-lhe o pensamento. "Já ninguém tem futuro nesta aldeia jovem Otsuro. Não há espaço para um jovem samurai como tu. Os tempos tornaram-se cada vez mais malignos, e até a mais simples aldeia como a nossa se deixou corromper pelas trevas, perdendo o seu balanço no mundo. Foge criança, parte para longe daqui, pois é a única maneira de te preservares. Quem sabe, talvez nesta nova Era de loucura encontres um lugar onde Yokoshima ainda não tocou." "Yokoshima" pensou Otsuro. "A fonte de todo o mal, o que espreita em cada esquina. Aquele que assusta o mais destemido, engana o mais conhecedor, e corrói o mais humilde. Não é apenas uma crença, ele existe mesmo. Em forma física e espiritual." Acabando o seu repouso, Otsuro levantou-se calmamente, e continuou o seu caminho em direcção à floresta.
A marcha era cada vez mais difícil. As ervas tornavam-se cada vez mais altas, assim como as árvores que espalhavam os seus ramos por todo o lado. O Sol tinha deixado de brilhar, de tão enormes que as plantas e as folhas se tinham tornado. Otsuro via-se com cada vez mais dificuldade para andar. As heras e os arbustos entrelaçavam-se-lhe nas pernas, os ramos compridos começavam a formar barreiras de tão crescidos e densos que estavam, arranhando-lhe os braços. Bem fácil seria para Otsuro usar a katana para abrir melhor o caminho, mas havia qualquer coisa naquela floresta que ele respeitava bem demais para a incomodar. Tudo graças ao sábio. "A floresta que se situa a norte da aldeia. Tenta evitá-la! Se escolheres passar por lá perto, arranja maneira de passar ao lado. É um local ancestral sagrado. Por alguma razão nunca ninguém lá pôs os pês. Apenas um se atreveu a cometer tal acto, e o que resta dele são mitos. Mas para o caso de o teu espírito ser mais forte, quando lá te vires em sarilhos, declara esta palavras..." Otsuro parou de repente ao ouvir algo. Era estranho, desde que entrou naquele lugar, que a vegetação lhe parecia mexer-se. "Não é verdade" disse a si mesmo. Mas não havia dúvidas que aquele lugar tornava-se cada vez mais difícil de percorrer. Por puro cuidado, decidiu voltar para trás, antes que se perde-se ali mesmo. Ao tentar retroceder, o caminho de retorno pareceu-lhe impossivel de transpor. A vegetação parecia-lhe demasiado densa. Então como é que ele tinha chegado tão longe? Tentou outra direcção, mas por onde quer que se virá-se, ramos e trocos tapavam qualquer espaço por onde passar. Otsuro não entrou em pânico, lembrou-se das palavras do sábio, e disse:
- Eu sou o Alpha e o Omega, o primeiro e o último, o início e o fim.
Nada. Tudo estava igual. Ele continuava sem caminhos. Ponderou por uns segundos em como agir, só tinha uma solução. A katana começou a deslizar pela cintura. Não devia violar a floresta abrindo caminho à força, mas não havia outra solução. Foi então que, sem toque nem razão, a floresta começou a mexer-se. A mexer-se? Como? Simplesmente mexendo-se. Presas com as raizes ao solo, as arvores recuaram à volta de Otsuro. Os ramos ergueram-se, e as ervas enterraram-se ligeiramente. Tudo isto em simultâneo, formando um clareira onde o Sol brilhava tão naturalmente como fora da floresta. Otsuro não reagiu. Tentou perceber o que tinha acontecido. Mas fosse o que fosse, não era obra sua. Foi quando reparou que do outro lado da clareira se encontrava alguém. Uma figura que olhava directamente para ele, vigiando-o. Como se sempre tivesse ali estado.
-Tens de proferir as palavras como se tivessem algum significado. Senão não fazem efeito.- disse a figura.
Porém, Otsuro não ouvira, tinha-se focado nos seus olhos verdes escuros. Havia algo no olhar que dizia qualquer coisa. Como se identificassem a pessoa.
-Hayashi Shinzui...



quarta-feira, 20 de janeiro de 2010